domingo, 1 de março de 2009

Imaginário XXXVIII

E ali estava ela no sítio onde ela achava que seria o meio da praça.

Feita louca esbracejava. Feita louca ali gritava para todos os que passavam. E gesticulava também. Gritava ria gracejava. Ria de si e dos outros. Ali estava ela só, cada vez mais só, a esbracejar no que ela achava ser o meio da praça, sempre convencida que cada vez mais gente tinha para a escutar.

Quem é ela? Perguntavam-se os olhares - quando se cruzavam - dos que por ali passavam e levavam com aquele cenário, mas apenas encolheres de ombros discretos e um ou outro mais ousado dedo girando junto da testa e rebolar de olhos eram dados como resposta à pergunta muda que todos se faziam.

Pobrezinha diziam uns. E olhando para trás com olhares de pena iam passando por ela sem saber muito bem o que lhe responder.
Outros havia que ali se demoravam e lhe perguntavam de modo mais curioso o que ela ali fazia, se era atenção que queria ou o que mais pretendia.

Todos quantos passavam percebiam, uns mais depressa que outros, que bem aquela cabeça não batia. Gritava ela do que julgava ser o meio da praça, sozinha falava e para si ria sempre a pensar que era para os outros que o fazia.
Na verdade, coisa que ela não compreendia, é que momentaneamente servia de entretenimento, fazia soltar uma gargalhada e qualquer criança se ria, mas com o passar do tempo, já não era entretenimento, pena era o que sentia quem por lá passava, coisa que ela não compreendia.

Na verdade aquela louca que no que ela achava ser o meio da praça para si falava gritava gesticulava foi-se tornando notícia e de vários sítios havia quem ali fosse do propósito só mesmo para a fotografia. E a louca feliz da vida cada vez mais se ria por achar que a audiência era boa, gostava dela nem reparava sequer nos perdidos de riso que dali saíam olhando uns para os outros com olhares que se interrogavam que seria que ela queria.

Que simpática - diziam uns - atenciosa até!
Pois é
- respondiam outros - parece, não parece? Atentem no modo como lhe falam, o que lhe sobra em energia falta-lhe em maneiras.
Oh pobrezita, uma louca é o que é. Pena devemos ter, coitadita da senhora, vai-se entretendo como pode na sua loucura, temos que ter paciência.

E o tempo lá passou com a louca no que julgava ser o meio da praça. Gesticulava, esbracejava, deixou a graça para escarnecer de quem por ali passava.

E na verdade era tão simples, tão depressa se resolveu. Bastou a televisão por lá aparecer. Médicos à distância faziam diagnósticos sobre o que julgavam ser uma qualquer demência degenerativa acelerada.
Na verdade era tão simples, tão depressa se resolveu. A louca precisava de atenção e assim que foi famosa como "A louca que ria gritava gesticulava no que achava ser o meio da praça", desapareceu.