quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Imaginário II

Há já muito tempo que os dias são todos iguais. Começam com o deitar à noite. O ritual de anos. Abordar os pés da cama. Tirar o roupão pesado, velho, cosido nos bolsos, nos cotovelos. O roupão que eu gosto. Aquele que nunca consegui dar para aos necessitados juntamente com tantas outras peças de roupa.

Há já alguns anos que desistiram de me oferecer ou falar em trocar de roupão. É ele que me liga à realidade. Como um cordão umbilical.

Lembras-te? Foi naquela viagem que fizemos, a nossa primeira viagem, a casa dos teus primos, que me convidaram porque nunca tinhas tido um homem na tua vida. Um homem que te fizesse assim, feliz “assim” e diziam eles que se estavas tão feliz eles queriam conhecer-me. Lembras-te?
Nesse fim de semana prolongado estava um frio de rachar e eu não tinha levado roupa suficiente. O teu primo desencantou este roupão velho que, dizia ele, estava ali para uma eventualidade e ainda bem que nunca se tinha desfeito dele. Não acredito que não te lembres… Lembras-te? O roupão estava-me tão grande que nos fartámos de rir com a minha figura. Nessa noite reunimo-nos a jogar um Trivial, todos sentados no chão da sala, a beber um vinho quase a martelo, daqueles rascos que dão uma ressaca do pior mas a dada altura já nem pensávamos nisso. E tu - lembras-te? – foste-te enroscando em mim, com o frio como desculpa para sentires o meu corpo junto ao teu e acabámos os dois dentro do roupão e os quatro numa galhofa. Lembras-te?

Quando regressámos o teu primo disse que eu podia ficar com ele, que “nos” servia e que “nos” ficava bem e a partir daí todas as noites frias os dois vestíamos o roupão. E dávamos a laçada e andávamos coordenados para todo o lado. E quando acabávamos por cair por desequilíbrio acabávamos a fazer amor – de modo que estávamos quase sempre a desequilibrar. Lembras-te?

Desde que te foste embora que o roupão me está grande. Desde que te foste embora que este roupão é grande, muito grande, porque faltas cá tu. Desde que te foste embora que tenho frio, mesmo com o nosso roupão. Desde que te foste embora que vivo o teu cheiro. Este roupão não é o mesmo sem ti. Não passa de uma casca sem vida onde me escondo da vida.

Há muito tempo que os dias são todos iguais.
Os dias são iguais há demasiado tempo: hoje vou ter contigo.

(25 Julho 2007)