segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Não imaginário I

Eu ainda sou do tempo em que o Bolo-Rei tinha um brinde e uma fava.

Toda a gente olhava muito bem para o bolo antes de cortar a primeira fatia. Todos procuravam atentamente o rasto da fava ou do brinde. Se detectassem o brinde tiravam uma fatia desse sítio. Se detectassem a fava tiravam mais ao lado.

Havia conversas em sussurro à volta da mesa "por acaso já viste onde está a fava?"

Depois de tirada a primeira fatia olhava-se para as duas "frentes" que o bolo tinha visíveis. Os palpites, as apostas.

Eu ainda sou do tempo em que havia quem comesse a fava para não ter que pagar o próximo bolo.

Quando chegava a última fatia e a fava ainda não estava ao pé do bolo essa fatia demorava muito tempo a ser comida. Havia quem a quisesse comer às escondidas.

Para mim era uma espécie de brincadeira.

Às vezes eu ficava com a fava e todos se riam, e eu ria também, porque sabia que era mau, mas não sabia porquê.

A minha avó fazia colecção dos brindes do bolo. Quando me calhava eu ia dar-lhe. Ela ainda tem a colecção lá em casa.

Eu sou do tempo em que só havia um Bolo-Rei na mesa porque eram muito caros.

Eu sou do tempo em que o Bolo-Rei tinha uma fava e um brinde.

Nesse tempo éramos todos mais pobres. Esse é o tempo que eu tenho saudades.

(19 Dezembro 2007)