segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Imaginário XXXV

Lembras-te das nossas conversas, aquelas longas conversa, tu sentavas-te numa ponta e eu noutra, eu com uns ideiais e tu com outros, eu com um modo de ver as coisas e tu com outro.

E foi assim que fomos crescendo, sempre lado a lado, sempre ali para o que desse e viesse.

Foi no meu ombro que choráste tantas vezes e eu no teu chorei outras tantas.

Não sei se ainda te lembras. Acredito que sim.

Lembro-me particularmente de uma noite, foste a minha casa - já eu tinha casado - , estávamos apenas nós. Perguntáste se eu era feliz.
Na altura perguntávas-me muito isso. Eu respondia genuinamente feliz que era feliz. E tu ficavas feliz por mim mas eu via o teu olhar triste.

Perguntava-te quando serias feliz. Tinhas sempre muitos projectos a alcançar antes de seres feliz. então eu reformulava a pergunta e perguntava quando é que nos teus planos encaixava a felicidade, mas tu respondias sempre o mesmo: que ainda tinhas que acabar o curso, depois fazer o mestrado, depois ir trabalhar nem tu sabias para onde - para um sítio qualquer, depois viria o doutoramento só depois casarias e casarias se desse, não era uma prioridade. Eu queria acreditar que esses eram os planos para a tua felicidade. Queria acreditar que serias feliz assim, com todos esses projectos a envolverem-te e comandar a tua vida.

Perguntávas-me se eu não me arrependia. Arrepender de quê? Respondia eu.

Lembro-me de te dizer na altura que parecíamos jovens de 20 e poucos anos mas que o tempo ia passar mais depressa do que pensávamos e que um dia ias olhar triste para as tuas fotografias, artigos publicados (sim, ias publicar imensos artigos em revistas da especialidade), calhamaços de livros temáticos nas prateleiras, especímenes únicos embalsamados e numa vitrine, irias ter mil histórias para contar e não irias ter ninguém que as ouvisse. O teu modo de vida não iria (temia eu) permitir que estabelecesses relações duradouras com ninguém.

Os anos entretanto passaram. Tanta coisa mudou na tua (minha . nossa) vida, tanta coisa permanece igual.

Encontramo-nos regularmente mas já não falamos de planos nem de sonhos, esses foram sonhos um dia, sonhos que se sonham uma vez numa época e que não podem ser depois os pesadelos do futuro.

E quando não se quer ter pesadelos no presente porque os sonhos do passado não se concretizaram no futuro, falamos apenas do estado actual das coisas, da crise, dos preços, das modas, dos outros, do hoje.

Jamais se fala do futuro - sabemos que o futuro é o que ele quiser ser e que apenas damos um ligeiro empurrão. Jamais se fala do passado. Aceita-se apenas o presente.

(7 Fevereiro 2009)