quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Imaginário V

Naquele dia ela saiu de casa confiante, sentia-se capaz de conquistar o mundo.

De manhã acordou antes do despertador, ansiosa de saltar da cama, feliz por ter acordado, sorridente.

Um espreguiçar mais prolongado que o normal e levantou-se, dirigindo-se à janela. O sol a nascer proporcionava-lhe um espectáculo que raramente observava. Demorou-se com a mão na cortina a ver o crepúsculo transformar-se em dia e a ver aquela massa laranja erguer-se lentamente atrás da colina.

Enfiou-se no poliban e abriu a torneira arrepiando-se com o frio inicial da água que logo a seguir correu tépida pelo seu corpo abaixo.

Invariavelmente demorou-se a sentir a água na cabeça a correr pelo pescoço e costas, virou-se e sentiu a água na cara e pensou que raras eram as vezes em que aproveitava estes pequenos prazeres do dia-a-dia.

Ao sair do duche sabia exactamente o que lhe apetecia vestir. A roupa interior nova que a fazia sentir elegante, a camisa branca mais decotada que o normal, a saia travada exactamente pelo joelho. Hoje sentia-se elegante, firme, segura. Hoje era capaz de conquistar o mundo.

Secou o cabelo esticando-o. Pôs aqueles brincos que só usava em ocasiões especiais - e hoje, por algum motivo, sentia que era especial, maquilhou-se com mais cuidado, pegou na mala, pôs um pouco de comida no aquário do Zacarias, disse-lhe "até logo peixinho!" e saiu.

O dia estava lindo e a aragem amena acariciava-lhe a pele, e instintivamente ela fechava os olhos e respirava fundo, tentando absorver o cheiro da terra pela manhã.

Ela sentia-se confiante.

No caminho para o trabalho um telefonema:

- Bom dia...
- Bom dia! Tu? A esta hora?
- Sim, eu. Surpreendida?
- Bastante...
- Então vou surpreender-te outra vez...
- Sim?...
- Queres almoçar comigo?

Ela sentia-se confiante. Naquele dia que ela nunca mais vai esquecer conquistou um mundo: o seu.

(15 Agosto 2007)