Enquanto estavam todos na galhofa debaixo daquele túnel que servia de passagem a tanta gente o olhar dele cruzou-se com o de um velho que casualmente por lá passou.
Enquanto por lá passava, velho e de pernas cansadas, apoiado na sua bengala que há tantos anos lhe fazia companhia, o seu olhar cruzou-se com o de um jovem que lá estava.
Por um qualquer motivo aquele velho não desviava o olhar, um olhar que lhe parecia familiar, um olhar que parecia que ele próprio já teria visto vezes.
As forças faltavam-lhe cada vez mais com toda a emoção de estar ali. Ali, naquele lugar, àquela hora, de olhar fixo cruzado naquele jovem que sabia ele ter 21 anos. Que ele sabia ter sonhos e ambições, que ele sabia lutador.
O olhar do velho não o assustava. Sentia que, nunca o tendo visto na aldeia nem nunca tendo saído de lá, o velho o conhecia. Sentia mais que isso, sentia que havia um elo entre ele e o velho.
Não sabia o que havia de fazer. Tantos anos volvidos entre a sua saída e este regresso ao sítio onde já não conhecia ninguém encontrava-se agora ali, no mesmo sítio onde 60 anos antes falava com os seus amigos sobre a sua vontade de sair da terra e procurar a emoção lá fora.
Aquele velho parecia saber qualquer coisa sobre ele. Tinha vontade de ir-lhe falar. Imaginou que o abordaria perguntando se precisava de ajuda.
Viu o jovem dirigir-se a si. Fraquejou. Não tinha pensado nessa possibilidade. Não pensou no que poderia ser dito.
Saindo do grupo acercou-se do velho. Perguntou-lhe se se conheciam. Que o seu olhar lhe era familiar.
Sentiu o cheiro do jovem. Ouviu a sua voz. A voz que foi sua.
Temeu que o velho se sentisse mal. Perguntou-lhe se estava bem.
Sorriu para o jovem. Que estava tudo bem, que nunca lhe tinha estado melhor. Acrescentou que a vida dele ia chegar para muitos sonhos. Que fosse fiel a si mesmo, que não se esquecesse - de si - que quando não soubesse com quem contar que contasse - consigo.
Conhecêmo-nos?
Tu ainda não me conheces. Eu conheço-nos.
Perguntou se o velho estava bem. Que enigma era aquele, quem era ele.
O velho recuperou da emoção. Ia seguir caminho, tinha ainda uma longa jornada. Não havia enigma: bastava que o jovem todas as noites se olhasse olhos nos olhos ao espelho.
O velho seguiu a sua jornada, foi andando lentamente pelo túnel fora até o jovem, ainda petrificado, o perder de vista.
O jovem correu para casa. Olhou-se no espelho. Arrepiou-se sem saber se tinha sido verdade ou não. O primeiro objecto que seleccionou para a sua maleta foi um espelho de mão da mãe. Teria que ficar em cima de tudo para se olhar nos olhos sempre que precisasse.
(24 Janeiro 2009)
Enquanto por lá passava, velho e de pernas cansadas, apoiado na sua bengala que há tantos anos lhe fazia companhia, o seu olhar cruzou-se com o de um jovem que lá estava.
Por um qualquer motivo aquele velho não desviava o olhar, um olhar que lhe parecia familiar, um olhar que parecia que ele próprio já teria visto vezes.
As forças faltavam-lhe cada vez mais com toda a emoção de estar ali. Ali, naquele lugar, àquela hora, de olhar fixo cruzado naquele jovem que sabia ele ter 21 anos. Que ele sabia ter sonhos e ambições, que ele sabia lutador.
O olhar do velho não o assustava. Sentia que, nunca o tendo visto na aldeia nem nunca tendo saído de lá, o velho o conhecia. Sentia mais que isso, sentia que havia um elo entre ele e o velho.
Não sabia o que havia de fazer. Tantos anos volvidos entre a sua saída e este regresso ao sítio onde já não conhecia ninguém encontrava-se agora ali, no mesmo sítio onde 60 anos antes falava com os seus amigos sobre a sua vontade de sair da terra e procurar a emoção lá fora.
Aquele velho parecia saber qualquer coisa sobre ele. Tinha vontade de ir-lhe falar. Imaginou que o abordaria perguntando se precisava de ajuda.
Viu o jovem dirigir-se a si. Fraquejou. Não tinha pensado nessa possibilidade. Não pensou no que poderia ser dito.
Saindo do grupo acercou-se do velho. Perguntou-lhe se se conheciam. Que o seu olhar lhe era familiar.
Sentiu o cheiro do jovem. Ouviu a sua voz. A voz que foi sua.
Temeu que o velho se sentisse mal. Perguntou-lhe se estava bem.
Sorriu para o jovem. Que estava tudo bem, que nunca lhe tinha estado melhor. Acrescentou que a vida dele ia chegar para muitos sonhos. Que fosse fiel a si mesmo, que não se esquecesse - de si - que quando não soubesse com quem contar que contasse - consigo.
Conhecêmo-nos?
Tu ainda não me conheces. Eu conheço-nos.
Perguntou se o velho estava bem. Que enigma era aquele, quem era ele.
O velho recuperou da emoção. Ia seguir caminho, tinha ainda uma longa jornada. Não havia enigma: bastava que o jovem todas as noites se olhasse olhos nos olhos ao espelho.
O velho seguiu a sua jornada, foi andando lentamente pelo túnel fora até o jovem, ainda petrificado, o perder de vista.
O jovem correu para casa. Olhou-se no espelho. Arrepiou-se sem saber se tinha sido verdade ou não. O primeiro objecto que seleccionou para a sua maleta foi um espelho de mão da mãe. Teria que ficar em cima de tudo para se olhar nos olhos sempre que precisasse.
(24 Janeiro 2009)